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Infidelidade Corporativa

Quem é o número um hoje não tem a mínima garantia de continuar sendo o número um amanhã. Essa máxima corporativa bem que deveria estar na agenda de todo executivo, de todo gerente ou líder empresarial. Este é o tema deste artigo que trata da infidelidade corporativa.

Em tempos de concorrência generalizada, de mercados cada vez mais cobiçados e de empresas disputando literalmente cada cliente "a tapa", é até de se estranhar o título deste artigo. Mas não podemos deixar de voltar ao tema que abordamos em nossa última coluna. Falamos de empresas de telecom aqui no Brasil, que se dizem totalmente voltadas para seus clientes, mas na prática fazem justamente o contrário. Em seus sites, estas empresas propagam que os clientes estão em primeiro lugar, que são “a razão da sua existência” e outras frases prontas como esta, que perdem toda a força, quando constatamos que isso não acontece. São empresas que agem como se dissessem na verdade: "o cliente que se dane!". O que surpreende é que esta é uma prática que se espalha como uma pandemia no mundo corporativo; não se limita a uma empresa, indústria, a um mercado específico nem a um país. É o caso da Ibéria, uma das maiores empresas aéreas do mundo, que no ano passado transportou 27,7 milhões de passageiros pelo planeta e que faturou 385 milhões de euros, mais de um bilhão e sessenta milhões de reais [segundo dados da própria empresa].

A Ibéria e outras companhias aéreas conseguiram aprovar no Parlamento Europeu uma Lei, em vigor desde fevereiro deste ano, que legaliza, na prática, o overbooking. Isso mesmo. As companhias de aviação europeias estão autorizadas, por lei, a venderem mais passagens do que os lugares de que dispõem nos aviões. Prática que nós aqui no Brasil vimos diminuir muito com o Código de Defesa do Consumidor e com o novo Código Civil. Parece que, pelo menos em matéria de direito do consumidor, temos muito a ensinar aos nossos amigos espanhóis.

Só para se ter uma ideia desta verdadeira indústria do overbooking, em Barrajas, o principal aeroporto de Madrid, a Ibéria contratou um hotel com 300 quartos para acomodar os passageiros que não conseguiram embarcar, mesmo tendo chegado horas antes no aeroporto e estando com os assentos reservados há meses. É que, pela legislação aprovada, a companhia se compromete a dar transporte até o hotel, alimentação, hospedagem, telefonemas e até uma indenização, em euros, que varia de acordo com o trecho. Mas será que este cala-boca em euros compensa o transtorno causado? Claro que não. A cena é constrangedora: passageiros avisados no check-in ou até mesmo vindo de outros voos são avisados que, embora tenham feito tudo certinho, suas passagens não estão confirmadas e que não irão voar. Falta de informação, de respeito, de atenção, só para ser polido. O desespero de quem fica em terra quando deveria, por direito, estar voando é angustiante. Ser tratado como um número sem nenhum critério, só com a promessa que poderá embarcar no próximo voo, às vezes, 24 horas depois. Como pode a maior companhia aérea da Espanha e uma das maiores da Europa vender algo que não possui? Se você está planejando sua próxima viagem, tome cuidado com as empresas que só olham para os resultados financeiros.

Esta é a fórmula da “Infidelidade Corporativa”: momentos trágicos multiplicados pela ganância empresarial somados à arrogância organizacional. O resultado é um só: cliente insatisfeito não é apenas um cliente perdido; ele pode, além disso, divulgar para muitos outros a sua insatisfação.

É marketing negativo boca a boca sobre o qual conversamos nesta coluna. Gostaria de lembrar a essas empresas algo que a história já deveria ter ensinado a eles: quem é o número um hoje não tem a mínima garantia de continuar sendo o número um amanhã. Pensem nisso.

Claudio Starec e Elizabeth Gomes